Sonia Regina - Entrevista [dezembro 2000]





LISTA ENCONTRO DE ESCRITAS, DEZEMBRO DE 2000

 

Manuel Rodrigues entrevista Sonia L.




RETRATO
 
À tarde, o retrato estava empoeirado
e fiquei me perguntando:
como?
Tudo parece tão imaculado
limpo, claro, justo, certo
Mas o sorriso no retrato
é antigo
A cor espelha
[vermelha]
o sinal dos tempos
Já não sei porque sorria
nem sei mais como sorrir assim
A poeira que o cobria já não existe
como o sorriso,
que não mais sei dar
como a palavra,
que não sei falar
como o gesto,
singelo, modesto,
que vaga no ar
que tarda em pousar
pelo qual eu só sei
ansiar
 
Sonia L.,13/11/00


1-Que pensa da poesia no mundo de  hoje?
 Há, no mundo de hoje, valores morais  sendo questionados, há carência de singeleza, de tranqüilidade, de pureza. Acho que a poesia nunca foi tão fundamental. Mais do que nunca precisamos de paz, doçura,  bem-estar, até mesmo de certa melancolia. Precisamos experimentar emoções simples, que são poéticas quando sem conflitos, como tristeza,  gratidão,  saudade. O poema é algo de instintivo, carregado de emoção, e a poesia não está em coisas complicadas nem violentas.

2-Sei que gostaria de fazer sonetos. É do parecer que isso é importante?
Sim. Não basta o talento, para se fazer uma obra de arte. Há um caminho de conhecimento e trabalho a ser percorrido. Afinal o verso é, por definição, a expressão de uma forma métrica,  sujeita a um certo número de sílabas e ao ritmo, mesmo sem rimas. Mesmo que opte por criar um ritmo livre, um poeta deve ser capaz de escrever um soneto, assim como um compositor deve saber escrever a pauta musical dos arranjos que faz e um pintor deve conhecer do desenho acadêmico.

3-E fazer poesia medida e rimada, ou só medida, acha útil?
Acho, sim, a rima me auxilia no ritmo. Só consegui fazer medidos poemas pequenos, como os haicais.

4-“Tortura-se" muito com a revisão dos seus poemas?
Não, ela me é prazerosa, parece uma segunda etapa do processo criativo. Gosto de fazer certos ajustes, de mexer com palavras e letras.

5-Quais os três poetas brasileiros deste século que prefere?
Dentre os que li muito e posso dizer que conheço um pouco da obra, destaco Manoel de Barros, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

6-E três também brasileiros, mas de séculos anteriores?
Da mesma forma destaco, dentre os que li, Olavo Bilac, Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias.

7-Na assinatura do seu correio vem uma citação de Evtuchenko. Costuma ler poetas de outras línguas? Quais os seus preferidos deste século?
Sim. Mario Benedetti, D.H. Lawrence, Neruda.

8-E dos séculos passados?
Sou apaixonada pelos haicais de Bashô.

9-Pode citar-me até ao máximo de três os poetas portugueses seus preferidos, neste  século?
Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Jorge de Sena.

10-Do mesmo modo, poetas portugueses dos séculos anteriores?
Li   mais prosa, dos séculos anteriores. Gostei dos poetas Almeida Garret e Gil Vicente, que li na escola, nos estudos do curso clássico. E Tomás Antonio Gonzaga, o poeta da Inconfidência Mineira.

11-Escreve prosa? Se não, gostaria de escrever?
A   poesia é um caso recente, meu namoro com a literatura sempre foi em torno da prosa, da leitura à escrita. Escrevi e ainda escrevo algumas crônicas e artigos técnicos.

12-Escreve em papel ou em computador directamente?
 Em papel, e a lápis.

13-Gosta de chocolates?
Gosto, mas não me tiram do sério.

14-Acha que comer um chocolate pode substituir a feitura de um poema?
Não, não acho. Embora os dois sejam prazerosos, o que saboreio é diferente. No chocolate, o paladar. No poema, uma vitória, uma conquista, o prazer do criar.