Caros leitores:
A revista Letras et cetera decidiu premiar os vencedores do concurso Desvendando um conto com o livro Pára-raio de Loucos - editora Assis 2009 , escrito por um dos fundadores: o escritor Borboleta (assinatura literária de Fábio Amorim de Matos Júnior).
O conto Um último trago foi publicado originalmente nesse livro e republicado em Revistinha 22 (editora Assis, 2010). Compartilhem sua leitura e reflexão crítica com os outros leitores de Letras et cetera enviando uma resenha* sobre esse conto.
Abaixo, o regulamento e o conto.
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* lembrem-se
que “uma resenha é um resumo (abreviação ou recapitulação em poucas palavras) crítico que obriga a apresentar juízos e comentários pessoais, além da descrição objetiva do texto."(adaptação do
texto de Carlos Ceia)
O REGULAMENTO
1 – Os participantes deverão enviar para letrasetcetera@gmail.com uma resenha com 1 ou 2 laudas (de 2000 a 3000 caracteres com espaços), título, nome, endereço de e-mail válido e colocar no assunto do e-mail “Concurso Literário - Desvendando um conto”.
2 – Os textos devem ser enviados até o dia 15 de junho.
O autor, ao enviá-las, estará expressamente concordando com a publicação.
3 – Todas as resenhas serão publicadas com o nome do autor e identificadas como participantes do concurso.
4 – A votação realizada pelos leitores visitantes da revista se estenderá do dia 22 de junho até o dia 22 de julho.
5 – Serão consideradas finalistas as 10 resenhas que receberem o maior número de votos, em turno único. Essas dez mais votadas pelos leitores serão encaminhadas a uma comissão julgadora que selecionará as 3 melhores.
6 – As resenhas vencedoras serão anunciadas até o dia 15 de agosto e seus autores ganharão o livro de presente e terão suas resenhas republicadas em Letras et cetera. O resultado será anunciado na revista e os ganhadores receberão um email informando que venceram o concurso e solicitando os dados completos para que os livros sejam enviados. Em caso de email inválido, ou ausência de resposta em até 7 dias, será declarado vencedor o quarto colocado.
7 – Cada participante pode concorrer com apenas um texto. Utilizaremos o critério de ordem de recebimento para caracterizar as resenhas que participarão do concurso, assim como para postá-las na revista a fim de participarem da votação.
8 - Podem enviar sua resenha todos os escritores desta revista, exceto os integrantes da comissão julgadora e a nossa equipe administrativa.
9 - Poderão votar TODOS os visitantes. E membros, sem exceção.
10 - O concurso não exige nenhum pagamento. Todos podem participar gratuitamente e os prêmios não poderão ser trocados por dinheiro.
O CONTO
Um último trago [1]
..........................................................................Borboleta [2]
O retrato que guardo na memória de nosso último trago é tão nítido que, por vezes, sobressaltam-me as lembranças a ponto de não acreditar totalmente em sua partida. Nesses momentos, coçam-me os dedos e salivam-me na boca os resquícios de um amor alimentado à nicotina.
O interessante, porém, é que nunca havia me vindo o propósito de depositar nova fumaça por entre as mãos. Bastava-me dirigir o olhar para cima da estante e pronto. A presença da marca do tempo no maço ainda aberto, dos resquícios esmaecidos de seus lábios no filtro sobre o cinzeiro e de sua imagem sorridente na moldura faziam-se suficientes para que toda a vontade dissipasse-me pelas narinas.
Aliás, confesso que sempre gostei dessa sensação. Não tanto pelo motivo que muitos suporiam: pela conseqüente repulsa que me advinha da vontade de voltar a fumar. Na verdade, ao longo de todos esses anos, pouco ou nada me custou tal fadiga. E não se trata de desculpas de um viciado à espera do crime. Você bem sabe que minha recusa ao tabagismo sempre foi coisa existencial; afinal, nunca houve sentido em acalorar o peito na ausência de sua companhia.
Sendo assim, se acaso alguém, de índole sincera, indagasse os motivos reais de tal contentamento, eu estaria pronto a apontar as mil e uma recordações que, juntamente com a supressão de qualquer afeição pela fumaça, entravam-me pelas narinas. E, de fato, não estaria mentindo, pois era batuta, bastava-me afastar a mão tremente do isqueiro e seu olhar sedutor novamente encantava-me por cima da mesa encharcada de Martini. Depois, curta era a distância para que os suspiros lentos assumidos por seus gestos tocassem-me os ouvidos e o vermelho impresso em seus alvos dedos acendesse e estendesse-me, complacente, todo o seu Charme.
É verdade que sua gargalhada, perante a advertência tossida da virgindade de meu primeiro trago, ainda me enrubesce as faces; mas, a sensação de seus lábios macios a conduzirem carinhosamente a fumaça para dentro de meu peito, logo me acalma o espírito. Aliás, salvo esse despropósito, creio ter sido aluno exemplar. Tanto foi assim que, naquela mesma noite, já me foi dado sentir o hálito gelado da nicotina a tragar, para os pulmões, os respiros de sexo que ainda pululavam pelas veias.
Mas, veja você como são as coisas, por mais que me esforce para reproduzir o remorso e a vergonha da manhã seguinte em face de seu corpo nu, nunca mais consegui vivenciá-los com fidelidade. Por vezes, até me pergunto com amargura: ¿será que essa bituca de nossa história quedará, para sempre, perdida pelas vielas da memória, adormecida nas cinzas, como se nunca houvesse existido?
Seja como for, recordo muito bem de como sua indiferença, frente a qualquer possibilidade de arrependimento, apaziguou-me a intranqüilidade. De modo que, ainda por ali, já me tenha sido possível dizer que sempre havia te amado. Mas, o melhor de tudo era escutar suas frases roucas a retribuir-me o agrado, dizendo que, em você, o amor surgira antes mesmo que eu houvesse nascido.
Talvez, justamente por isso, nunca me tenha sido dado compreender inteiramente o por quê do sigilo imposto à nossa relação. Ainda me é possível sentir o hálito enfumaçado de suas explicações e o tom severo assumido por sua voz ao se referir à diferença de idade e, sobretudo, à natureza dos laços que nos cercavam.
Não obstante, nós dois sabemos ter sido de pouca valia tanta discrição. Pois, bastaram os filhos começarem a se nos apresentar e não tardou muito para que
os outros envergassem-nos os olhares e resmungassem enraivecidos pelos cantos: “corja de cães sarnentos”.
Fora isso, o sucesso de nossa prole é outro episódio digno de recordação. ¿Lembra-se de como nos foi custoso o trajeto até Lili? ¿Quantos bebês anômalos tivemos que oferecer ao mar, na esperança de que, longe de todos
os outros, o olhar de Deus finalmente recaísse sobre eles? Mas creio ter valido a pena, pois quando nossa bonequinha apareceu foi uma felicidade só.
Por vezes, ainda hoje, no meio da noite, sobressalto assustado ao virar-me na cama, tudo em função do cuidado que tomávamos para que ela, tão pequenina, entre nós gigantes, não dormisse asfixiada por nossos mais profundos sonhos. Difícil mesmo era observar a recomendação de não tirarmos uns tragos ao lado dela; penso que, não fosse tal restrição, nós três teríamos vivenciado outros tantos momentos em família.
Nos últimos tempos, você sempre me dizia estouvado e rebelde. Embora nunca lhe tenha dito, sempre soube que tais queixas deviam-se a um certo despeito de sua parte, fruto evidente da inversão de papéis que já virava páginas em nossa relação. Por outro lado, apesar de sua relutância, bem sei que muito lhe apraziam as novidades, então, trazidas por mim; como pude constatar na vez em que entrei de supetão cozinha adentro e a flagrei, em pleno êxtase, com um Hilton longo e um copo de Antártica entre as mãos; embora você sempre tenha insistido que, além do Martini Bianco, nada mais no mundo possuiria algum Charme. Sem contar o quanto lhe confortou os efeitos da papoula argentina; se bem que, nesse caso, creio que qualquer outro alucinógeno lhe subtrairia a mesma reação, afinal, dada sua vaidade, não lhe era nada fácil suportar a idéia de arfar o peito com um seio a menos.
Depois disso, rápido mesmo foi o sofrimento. Sua imagem irrequieta a definhar dia após dia sobre os lençóis. A debilidade assustadora a tomar conta de seu corpo, de seus lábios e de suas mãos. E, não obstante o reflexo de seu desejo vermelho no batom e no esmalte, lamento por não ter conseguido encontrar cosméticos para que você pudesse maquiar o destino. Apesar disso, até agora me orgulha sua determinação em contrariar o desengano dos médicos; sobretudo, porque suspeito que, para você, tal obstinação não tenha passado de mais um capricho, tal como o foi o de não querer se deixar apagar no meio da semana. Quando, porém, a noite de sábado veio e você me pediu um pito, desde já eu sabia que seria o último; por isso toda minha demora em trazê-lo. Sei que corro o risco de ser taxado de romântico, mas sustento a impressão de que apagamos nosso último cigarro com a mesma desenvoltura de juventude com que acendemos o primeiro.
Mas, como eu lhe dizia há pouco, apesar das lembranças, nunca havia me vindo o propósito de depositar nova fumaça por entre as mãos. Bastava-me dirigir o olhar para cima da estante e pronto. A presença da marca do tempo no maço ainda aberto, dos resquícios esmaecidos de seus lábios no filtro sobre o cinzeiro e de sua imagem sorridente na moldura faziam-se suficientes para que toda vontade dissipasse-me pelas narinas. Entretanto, hoje – apesar de todos esses anos, em que a marca de nosso desejo permaneceu cristalizada na estante –, receio que alguma coisa se me afigure diferente.
Havia jogo da Seleção quando Lili resolveu sair do banho, cheirando a condicionador de chocolate e envolta por aquela antiga toalha vermelha que tanto era de seu agrado. Só então, através das curvas daqueles avolumados seios, pude ver a poeira do tempo depositada sobre minha pele. Tenho certeza de que também lhe marejaria o orgulho dar com nossa menina, assim, tão crescida. E tão esperta! Imagine você que, ainda há pouco, era ela quem me ensinava – com a mesma desenvoltura da mãe – a navegar pelas ondas virtuais. E como você sempre me ensinou a ser agradecido, penso já ser hora de retribuir à nossa pequena o favor. Por isso, peço-lhe desculpas mamãe, mas antes que algum garotão de cabelo arrepiado antecipe-me, é preciso que, ao lado de Lili, eu volte a fumar.
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[1] Publicado originalmente em Pára-raio de Loucos (editora Assis, 2009) e republicado em Revistinha 22 (editora Assis, 2010) [2] Borboleta é a assinatura literária de Fábio Amorim de Matos Júnior. Doutorando em filosofia, Fábio Amorim atua como professor universitário.
Borboleta, por sua vez, é escritor independente, acaba de publicar seu primeiro livro de contos – “Pára-raio de Loucos” – e mantém vivo um sítio sobre literatura e outras coisitas mais: http//:pararaiodeloucos.blogspot.com