Sonia Regina - Entrevista 02 [2000]




Entrevista a Rodrigo de Souza Leão. Cópia da publicação no Suplemento Conversa aos Domingos do Poesia Diária - Literatura, em 20 de agosto de 2000.

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 LERo




Sonia Regina Campos L.

por

Sonia L.



GRITO


Eu, por mim, não dou nada
tomo, pego, arrebato
devolvo cada mau trato
Fico é fortalecida
a cada farsa, mentira
cada punhalada cravada
me lança numa jornada
teimosa vou à batalha
resisto, não quero ser pária
afio minha navalha
encaro toda desdita
transformo a vida diária

 

Sou carioca, casada há 22 anos, mãe de um filho de 12 anos. Moramos ainda no Rio, na Gávea, o que considero um privilégio: vejo a mata e o morro Dois Irmãos da minha janela, ouço pássaros toda manhã e estou perto da praia.

Tudo isso me convoca à poesia, que vem sendo parte insistente da minha vida há pouco mais de um ano. Escrevia algumas crônicas, de vez em quando, só.

Estudei em um colégio público no primário, fiz o ginásio no Colégio de Aplicação, em uma época extremamente fértil: final da década de 60. Lá conheci Ana Cristina César, que foi minha colega no 1º clássico e com ela aprendi a gostar de Clarice Lispector.

A Educação sempre me fascinou e nunca estive muito distante de instituições escolares, embora a literatura tenha cedido lugar à psicanálise durante alguns bons anos. Fiz Psicologia na Puc/RJ e trabalhei como psicóloga clínica há até uns 4 anos atrás.

Atualmente dou aulas de Português e Literatura para crianças de 10 anos na escola Parque, no Rio; sou uma das coordenadoras do Laboratório da Palavra, um curso livre de Literatura e Imagem, oferecido através do Centro de Atividades dessa escola; uma das diretoras do Grupo Cultural Contraponto, uma produtora de eventos culturais, cursos, sites e revistas virtuais e participo como voluntária coordenando a Oficina de Poesia de um projeto em um hospital público, o Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro, a convite de seu diretor, Dr. Alexandre Keusen.

Conversando com Seo Mário:


"Eu, por mim, não dou nada / tomo, pego, arrebato / devolvo cada mau trato
Fico é fortalecida." - Como encara Cristo que diz para dar a outra face?


R - Cristo falava por metáforas. Dar a outra face não quer dizer, como foi entendido durante muitos anos - no sentido literal - se sujeitar ao Outro. Dar uma face seria confirmar a sua imagem e dar a outra face é oferecer ao Outro mais do que isso, é oferecer ao Outro uma perspectiva de si que não foi vista por ele. É propiciar que se veja em minha outra face como em uma tela em branco, na qual projete seu próprio filme e perceba que pode ser o protagonista de sua própria história. Essa atitude seria regida pelo amor daquele que se dá ao próximo, que oferece de si tentando estabelecer uma relação fraternal. Esta é uma das preocupações cristãs: fraternidade. Os homens deveriam ser companheiros de jornada na construção de suas histórias, delas sendo autores, sendo diretores e protagonistas de seus filmes, escolhendo os cenários e personagens. Sermos personagens imaginários nas histórias uns dos outros não dá certo e só traz frustração. Ele também disse : Dai a César o que é de César... Ou seja, fica assim delimitado cada espaço: cada um estava em seu âmbito, César e Deus, assim como as relações entre as pessoas, que devem ser verdadeiras e não hipócritas. Cristo pregava serenidade e não sujeição. Ele expulsou com chicote e irado os mercadores do templo. Não sentir raiva ou devolver com bondade uma humilhação, um mau trato, são construções institucionais( intencionais, muitas vezes) . Essa foi uma outra deturpação da fala de Cristo. Acho que nesse poema expresso um pouco isso. Digo um não à sujeição e à hipocrisia, que tanto enfraquecem o ser humano em suas relações com o outro e consigo mesmo.

2. O que o poeta tem de professor?


R - Muito. O poeta, como o professor, professa. Fala, é um arauto. Diz do seu tempo. Há sempre alguém querendo ouvi-lo, porque mesmo que diga de si, diz do outro. Essa é a grande responsabilidade dos dois. E o grande perigo. Há que se ter sempre uma postura de aprendiz. Dizem os budistas que ficar preso ao conhecimento está distante da sabedoria, porque o conhecimento só revela o objeto e não o verdadeiro Eu. Tento manter uma postura de respeito quando escuto e presto atenção ao que ouço e digo, principalmente às crianças. Tenho trabalhado com elas e vejo como guardam e recorrem ao que lhes é dito. Como gostam de ouvir histórias, reais ou imaginárias. E como transportam para suas vidas o que escutam. A palavra me encanta, mas reconheço que pode ser uma arma. Tenho horror àqueles que detém o poder através da palavra, assim como através do conhecimento. Mais uma vez o poeta e o professor se aproximam: os dois trabalham com a palavra e com o conhecimento. O poeta e o professor trabalham com a arte, com a criatividade, com a imaginação, com a sensibilidade, enfim. Têm uma função muito importante, pois estão sempre desequilibrando, provocando o surgimento de novos caminhos.


3. Quais os escritores que fazem a sua cabeça?


R - Fiz o clássico e ainda releio alguns dos autores que li, com a avidez de adolescente que descobre o mundo, naquela época conturbada e transformadora do final dos anos 60: Émile Zola, Sthendal, Bernard Shaw, Eugênio Evtuchenko, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Clarice Lispector, Rubem Braga. Decididamente eles fizeram e ainda fazem minha cabeça.

Clarice Lispector e Rubem Braga têm lugar especial na minha estante, junto aos meus poetas preferidos.

4. Caso fosse um verbete, como se definiria e a sua poesia?


R - Caminhante apaixonada e eterna aprendiz. A palavra me fascina e minha poesia traduz essa caminhada. E há os poetas que têm me acompanhado nessa jornada: Leminski, Cecília Meireles, Manoel de Barros, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, para citar alguns do Brasil. E, pelo mundo, Bashô, Octávio Paz, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Walt Whitman, Mario Benedetti.

5. Letra é poesia?

 

R - Eu diria que há poetas que fazem também letra de música, como Caetano, Edu lobo, Chico Buarque e Vinícius, que tem inclusive poemas que foram musicados. Mas são duas instâncias de composição diferentes: o poema é mais seco, direto e solitário que uma composição musical.

6. O que é poesia?

 

R - Poesia emana do que é poético. Os raios do sol da manhã, nas folhas, são diferentes dos da tarde. Percebê-lo nos transmite poesia. O sorriso de uma criança é poético. Mozart também.
A poesia pode estar na palavra ou no silêncio, sejam eles a expressão de uma fala ou a escrita de um dizer poético. Poema é essa escrita, vem a serviço do registro verbal da poesia.

7. Tem algum mote?

 

R - Justiça e liberdade são palavras às quais tento dar vida diariamente.

 

8. Qual o papel do escritor na sociedade?

 

R - Na arte existe a possibilidade de simbolização e o artista passa de criatura a criador. Na verdade, todos somos autores de nossas histórias, só não temos é consciência disso. Esse é um dos papéis do escritor, enquanto artista. Dar o testemunho de que os dramas e romances todos, reais ou imaginários, têm o mesmo valor de verdade, pois são nossas construções. Tudo é uma ficção: o sonho ou a realidade são, na verdade, versões múltiplas de um mesmo fato.

O escritor é, ainda, um grande interlocutor e também tem esse papel fundamental na sociedade. Sua obra é a imagem viva e expressiva de seu tempo e de sua cultura. Não tem como não ser engajado, portanto. Como disse antes com relação ao poeta e ao professor, o escritor também é um arauto e sua palavra é aguardada.

 

NOITE
 

     Noite
     Sem barulho
     Sem silêncio
     Sem dia, sem nada
     O vazio
     Preenche
      Tudo
      Invade
      A casa
 
     Dormes
     Eu, acordada
     A alma, molhada
     Apaixonada
     Te olho
     Te quero
     Não te tenho
     Não te espero
     Mais
     Nessa noite
     Clara

*   *   *   *


Volto do Avesso

Para Cau

 
Volto do avesso
e te agradeço

Quanto tempo
tormenta
ventania
agonia, sofrimento

Volto e te encontro
a meu lado
não saíste... Não foi em vão
que ficaste

Volto do avesso
e te agradeço

Te trago eu presente
Trago comigo
Das entranhas
troféus e façanhas
conquistadas no perigo
sem abrigo

Trago agora
a alma quieta
calma, serena, esbelta
ou não será a alma
e sim seu avesso
o que agora trago, bebo, sorvo
não esmoreço

Volto do avesso
e te agradeço

Como tapeçaria fina
sem avesso
trago a menina, a mulher, a amante
sem lado, sem avesso, sem sina
sem começo

Volto do avesso
e te agradeço

Trago a amiga
a companheira
a dona da casa
a rampeira
a mulher tua
nua
enfim
sem avesso

 

*   *   *   *

 

GASTADOR DE PALAVRAS

Para Ana Claudia Martinez
Um maluco
bem louco
gastador
de palavras
mentiroso
garboso
super-homem
profeta
procuro depressa
solução pro caso
do poeta



* Veja os trabalhos de Sonia L. no endereço:
http://www.terravista.pt/MeiaPraia/2304




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