As árvores são alfabetos, diziam os gregos. Dentre todas as árvores-letras, a palmeira é a mais bela. Da escritura, profusa e distinta como o repuxo de suas palmas, ela possui o efeito maior: a inflexão.
Roland Barthes
Este texto não é uma clave que indique como ler a Antologia Poética Amante das Leituras 2009. Não há posições nem pautas.
Há, todavia, timbres. E inflexões. Dá-se nesta obra um encontro de poesia e prosa, autores e línguas e, em trânsito pelas construções, a justa emoção: que permanece durante a leitura, e lavra.
Sem tentar aprofundar o que é o mistério da criatividade ou pretender refletir sobre o ato criador, podemos afirmar que esta não é uma reunião de sujeitos confinados em suas originalidades. ‘Eus’ escritores relacionais se entrelaçam e desembaraçam, como vozes em um coro. As mesmas vozes - de Portugal, do Brasil e da Argentina - que os constituíram em suas individualidades.
A novidade de uma obra assim organizada não se sobrepõe à qualidade: os próprios autores selecionaram seus escritos segundo um critério crítico e estético e não somente por gosto pessoal.
“Escrever está na ordem do desejo, da paixão pelo conhecimento e descobrimento de novos horizontes que só a elaboração produzida no próprio ato é capaz de revelar. Não se pode explicar o escrever, pois este só o entende o escritor, aquele que vive a experiência da transmutação pela arte de reinventar-se na palavra escrita” [1]. É indistinta do autor, a escrita. Vinda a partir de uma experiência íntima, é linguagem que revela o conhecimento do sensível através da capacidade criadora.
Sabemos que a subjetividade é uma particularidade da arte. A subjetividade circula e a arte converte a sensação em objeto, a sensação em sensação. É como fechar os olhos para poder enxergar além, ato necessário para que se produza o espanto.
Resultante do desejo, da sensibilidade e do dom para tratar a linguagem de forma especial, a criação literária ultrapassa o criador.
O ‘eu’ do autor se afasta no momento em que a linguagem passa a falar: a voz perde a origem, a escrita começa. O indivíduo, por perder seu lugar, nasce como sujeito e então se coloca como produtor da escritura.
Através das palavras a escritura expressa qualquer coisa que sabe do intermédio entre o gesto e o pouso. Poesia e prosa provêm dessa voz interna que faz escrever.
Há matizes entre as diferentes escritas. Na ausência de pré-determinação, ao depara-se com o novo, o desejo encontra um momento histórico individual e coletivo para expressar-se. A espontaneidade está presente no ato criativo que, entretanto, traz em si o determinismo humano, elemento constituinte da qualidade do sujeito, por definição antropológica. Essa percepção criativa permite ao indivíduo - frente às situações novas, possibilitadoras de desalienação - produzir mais que repetições de suas histórias particulares, num espaço vazio onde a imaginação, a inventiva e a intuição se fazem possíveis no cotidiano, desbloqueando e propiciando reconhecimento e desenvolvimento do potencial intuitivo criativo.
O timbre das narrativas não diz necessariamente do ‘eu’ que emerge como sujeito no discurso daquele que escreve para aquele que o lê. Tampouco o poema está nos corpos tornados coisa ou nas almas de natureza tímida. Com pouca audácia as palavras migram pela superfície da pele e, sem a carne, míngua também a poiesis.Não comunicam, os corações que se deixam forrar sem retirar-lhes a película, tornando-se invólucros impenetráveis às mordidas dos sentidos.
Presentes nesta obra estão o subjetivo, o sensível, a inspiração, a técnica, o trabalho e o talento. Poderão os leitores se deparar com diferentes graus de observação, múltiplos sentires e pensares. Alguns textos e poemas terão uma estrutura refinada, outros um vocabulário rebuscado, outros uma linguagem simples e não menos trabalhada. Ensaios, contos, crônicas, poemas com métrica e estrofes regulares ou versos livres: produções geradas no silêncio, no devaneio ou na inquietude pelos sujeitos que estabelecem novas linguagens na relação com o mundo...